sexta-feira, 15 de março de 2013

Hora de remontar os cacos


Certo dia, estava sentada no banco de uma praça, em frente a uma igreja, provavelmente deveria ser católica por sua rica arquitetura e bela fachada de contornos no estilo gótico, comecei a reparar numa peculiaridade de sua estrutura, os vitrais. Não era uma igreja exatamente grande, muito menos exageradamente decorada, mas, foi o suficiente pra eu reparar naqueles vidros coloridos brilhantes. Lembrei-me das aulas de história da arte que tinha no colegial, onde a professora me falava que os vitrais são feitos de cacos de vidro bem encaixados cuidadosamente, formando desenhos religiosos belíssimos como cenas do nascimento de jesus, sua morte e sua chegada no céu, mas, o que me chamou atenção naqueles cacos de vidros pressionados uns contra os outros de maneira que cada um se tornasse uma verdadeira obra de arte, foi a situação que eu me encontrava, ali, sentada, sozinha, numa praça vazia, olhando pra uma igreja mais vazia ainda e sentindo um vazio ainda maior por dentro, como se uma parte crucial de minha existência me tivesse sido tirada.
Os vitrais me diziam uma mensagem que eu estava tentando decifrar, era como se eles gritassem pra mim, um recado óbvio, e eu me achando uma idiota por estar lá tentando conversar com um monte de caco de vidro velho. Passei a tarde inteira sentada naquele banco enferrujado, me portando como uma autista, parada, olhando fixamente para a igreja, para os vitrais, as horas se passavam e eu continuava lá, sentada... Olhando... Pensando... Decifrando a possível mensagem.
Era como se algo me puxasse, como se eu só pudesse sair de lá, quando eu entendesse o recado, a mensagem, mas, afinal que diabos um monte de vidros quebrados tinha de tão importante para me dizer ?
Foi aí que a palavra "quebrado"  se expandiu em minha mente como uma luz cegante, que irradia um espaço oculto e esvai toda a escuradão que lá existe, quebrado. Era assim que eu me encontrava, completamente em cacos, despedaçada, destruída, eu me sentia uma simples matéria prima de vitral, um nada, a mensagem era clara, era ridiculamente óbvia, eu era monte de caco de vidro velho, eu só tinha que saber um meio de me reerguer de juntar os pedacinho e fazer de toda aquela parafernália, uma obra de arte espantosamente linda, eu tinha que me levantar,tinha que esquecer de tudo que me deixou em cacos, esquecer de você! Eu tinha que ser um vitral, tinha lembrar das rachaduras sim, mas fazer delas um contorno pra uma nova imagem de mim mesma.

Nota póstuma.
Me levantei finalmente do banco enferrujado, entrei na igreja, que era ainda mais bonita por dentro, iluminada com múltiplas cores que vinham do teto onde estavam os vitrais, os vi ainda mais de perto, senti como se estivesse vendo a minha imagem nos olhos tristes de jesus crucificado, fiz sinal de cruz com as mãos e disse:
- Vou indo pai, tenho uns cacos pra montar.

Por: Mayara Campos