sábado, 27 de setembro de 2014

A vida dentro da vidraça.

                Há meses não sento à frente do computador com intuído de vomitar meus dissabores, na verdade, tenho andado meio amarga, não reclamo da vida, me mantenho conformada,  como se tivessem me dado uma anestesia infinita, os dias passam e continuo olhando a vida pela vidraça, as vezes seca e tão transparente que pareço sentir os suspiros, carícias, encontros alheios, outras vezes com pingos de chuva e vazia, tão vazia que não se sente nada além da solidão, desencontros, desamores.  Não que eu tenha desistido de sair desta bolha, muito menos que eu queira passar o resto da minha vida vendo-a passar do lado de dentro da vidraça.
                Por hora acho melhor assim, ainda tenho cicatrizes expostas e abertas demais, não que me doa, não me dói, como eu disse, estou de certa forma, anestesiada. Mas se eu for  para o lado de fora da vidraça, talvez eu me sinta no direito de abrir novas cicatrizes, mas desta vez não em mim, tenho medo de ferir sentimentos alheios, logo eu que sempre preferi aguentar a dor sozinha a ferir outras pessoas,  logo eu que sei o quanto dói ter que suportar os arranhões e ponta pés que a vida dá, logo eu que conheço como poucos  as consequências  de um coração partido; por hora é melhor ficar deste lado, reaprendendo a lidar comigo mesma.
                Por vezes eu sinto a brisa que bate na vidraça, por vezes sinto vontade de sair, de me arriscar, mas na maior parte do tempo, eu sento e observo, é natural que pensem que eu sou covarde, eu também penso isso em alguns momentos, mas tenho plena consciência de que se eu sair desse lado da vidraça, não serei eu mesma, serei alguém repleta de amargura, de infelicidade, que provavelmente não teria nada de bom para contribuir do lado de fora, melhor ficar vendo a vida passar pela vidraça, enquanto eu recarrego as minhas forças, enquanto a anestesia ainda dura, enquanto as cicatrizes estão abertas,  enquanto a dor é  a minha única motivação.

                Um dia eu viverei novamente fora da vidraça, sei que sim, como eu disse não é de minha intenção ficar desse lado pra sempre,  e talvez eu  seja tão feliz, que esse episódio amargo da minha vida,  seja apenas uma espécie de tratamento  muito bem sucedido, porque se eu sair agora, o sexo, o toque, o beijo, o tesão,  as palavras ditas numa noite à dois, o álcool, os desejos hipocondríacos que me acompanham nos dias de calor e  de frio, continuarão sendo alimentos de uma ânsia carnal que não cessa, que vai me empurrando pra um abismo dentro de mim mesma,  um abismo vazio e profundo, o único lugar que eu não quero estar, o único lugar ainda pior do que estar do lado de dentro da vidraça, o único lugar dentro de mim que ainda existe você.