Há
meses não sento à frente do computador com intuído de vomitar meus dissabores,
na verdade, tenho andado meio amarga, não reclamo da vida, me mantenho
conformada, como se tivessem me dado uma
anestesia infinita, os dias passam e continuo olhando a vida pela vidraça, as
vezes seca e tão transparente que pareço sentir os suspiros, carícias,
encontros alheios, outras vezes com pingos de chuva e vazia, tão vazia que não
se sente nada além da solidão, desencontros, desamores. Não que eu tenha desistido de sair desta
bolha, muito menos que eu queira passar o resto da minha vida vendo-a passar do
lado de dentro da vidraça.
Por
hora acho melhor assim, ainda tenho cicatrizes expostas e abertas demais, não que
me doa, não me dói, como eu disse, estou de certa forma, anestesiada. Mas se eu
for para o lado de fora da vidraça,
talvez eu me sinta no direito de abrir novas cicatrizes, mas desta vez não em
mim, tenho medo de ferir sentimentos alheios, logo eu que sempre preferi
aguentar a dor sozinha a ferir outras pessoas, logo eu que sei o quanto dói ter que suportar
os arranhões e ponta pés que a vida dá, logo eu que conheço como poucos as consequências de um coração partido; por hora é melhor ficar
deste lado, reaprendendo a lidar comigo mesma.
Por
vezes eu sinto a brisa que bate na vidraça, por vezes sinto vontade de sair, de
me arriscar, mas na maior parte do tempo, eu sento e observo, é natural que
pensem que eu sou covarde, eu também penso isso em alguns momentos, mas tenho
plena consciência de que se eu sair desse lado da vidraça, não serei eu mesma,
serei alguém repleta de amargura, de infelicidade, que provavelmente não teria
nada de bom para contribuir do lado de fora, melhor ficar vendo a vida passar
pela vidraça, enquanto eu recarrego as minhas forças, enquanto a anestesia
ainda dura, enquanto as cicatrizes estão abertas, enquanto a dor é a minha única motivação.
Um dia
eu viverei novamente fora da vidraça, sei que sim, como eu disse não é de minha
intenção ficar desse lado pra sempre, e
talvez eu seja tão feliz, que esse
episódio amargo da minha vida, seja
apenas uma espécie de tratamento muito
bem sucedido, porque se eu sair agora, o sexo, o toque, o beijo, o tesão, as palavras ditas numa noite à dois, o álcool,
os desejos hipocondríacos que me acompanham nos dias de calor e de frio, continuarão sendo alimentos de uma
ânsia carnal que não cessa, que vai me empurrando pra um abismo dentro de mim
mesma, um abismo vazio e profundo, o único
lugar que eu não quero estar, o único lugar ainda pior do que estar do lado de
dentro da vidraça, o único lugar dentro de mim que ainda existe você.