quarta-feira, 29 de julho de 2015

Mais uma carta não enviada

Não tenho tido inspiração para escrever há meses, talvez por conta da pressão rotineira, por estar focada no meu futuro, sempre pensando em como vou administrar o dinheiro que ainda nem recebi e já tem destinação, ou mesmo por evitar remoer assuntos pesados que há muito me definhavam, por ter fechado meu coração às possibilidades de romances, já deu pra perceber como anda a minha vida: monótona.
    Nada de extra-ordinário aconteceu desde que perdemos contato, não se preocupe, não vou citar nós dois, aliás sempre que cito, me vem a impressão de estar forçando uma situação constrangedora, mas juro que não o faço nesse intuito, é que é impossível não lembrar. Enfim, como disse, não vou me ater a te lembrar do nosso período de “quases”. Estou em ordem, seguindo uma rotina, fazendo o que todos esperam que eu faça, estudando (agora na faculdade), trabalhando, conhecendo pessoas, nada de anormal... Aliás, o que é o anormal não é mesmo? Na minha opinião: é fazer algo que todo mundo tem vontade de fazer mas não o faz. Para uma modelo, seria comer uma panela de brigadeiro ou tomar refrigerante. Para um mendigo, seria tomar um bom banho, usar roupas limpas ou comer em todos os horários. Para mim, seria encontrar você num dia desses de inverno andando pela rua da Aurora.
Daí me vem a reflexão: a anormalidade está no ato, não na vontade. Ser anormal é ser louco, ou todos somos loucos por não sermos anormais? Queria ter mais coragem, me importar menos, queria poder não me preocupar tanto.  Talvez seja esse o segredo da vida, o mais engraçado é que ninguém pensa nisso, trabalhamos para ganhar dinheiro, para comprar o pão, ganhar a vida, e no entanto, a vida está aí à nossa frente, com tamanha simplicidade e beleza, tão perto que quase dá pra pegar, mas agente não pega, é mais importante seguirmos as regras estabelecidas, o nosso pacto social, viver sem grandes firulas, sem inventar muita coisa para a sociedade não virar um hospício.
Imagina se todo mundo hoje resolvesse fazer tudo o que quisesse? Se a professora resolvesse tirar o dia de folga, os seus alunos poderiam ao cinema ou ao parque com seus pais que acabaram de tirar férias, os donos das empresas resolvessem que já haviam ganhado bastante dinheiro e começassem a não mais vender os seus produtos e/ou serviços, os ladrões, contrariados, não se motivariam a furtar, com intuito ostentar aquilo que desde o nascimento nunca puderam ter, para serem aceitos socialmente, as pessoas estariam tão focadas em suas vidas que nada mais importaria, a não ser a realização de seus sonhos. Que loucura seria se nós saíssemos da normalidade.
Eu, por exemplo, iria agora correndo bater na sua porta, para conversarmos como fazíamos há anos atrás, tempo em que as palavras pulavam da boca, eu não me preocupava tanto em pensar cada sílaba dita, não nos amedrontávamos com quase nada, muitas vezes ficávamos em silêncio entre olhares, era tudo tão natural. Sinto falta disso, da nossa amizade. Não ouse achar que estou forçando alguma situação, pelo contrário, nosso período de namoro, foi bem conturbado, não sinto tanta falta dos ciúmes, das intrigas, das lágrimas, das palavras forçadas, muito menos das traições.
           Queria ser mais corajosa pra te dizer tudo isso, acabei me tornando alguém extremamente complacente, tinha medo de falar coisas que poderiam te afastar de mim, e mesmo assim você se afastou, talvez porque eu me tenha me perdido na normalidade, ou dentro de mim mesma, o fato é que essa, assim como todas as outras, será mais uma das cartas que eu te escrevo e não tive coragem de enviar.